segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O adeus que não pude dar

No dia 1 de julho seria meu embarque. Partiria para ficar um ano morando longe da minha cidade, dos meus amigos, dos meus familiares, da minha vida. No domingo que antecedeu minha partida, e como em todos os domingos acontecia, teve churrasco lá em casa. Como de costume também, minha vó estava conosco, sentada à mesa, do meu lado. Antes de minha vó deixar minha casa, ela foi até meu quarto, que fica no segundo andar da casa. Ela tinha problemas respiratórios, e por isso ir até lá era uma dificuldade pra ela. Eu estava arrumando as minhas malas, afinal, partiria no outro dia, e de repente me dei conta que aqueles olhos azuis me fitavam e acompanhavam cada item que eu colocava em minha bagagem. “Vó, que susto, o que tu faz ai parada?” perguntei à ela. “Vim te dar adeus meu riquinho (como ela me chamava)” falou ela com lágrimas nos olhos. Aquela cena me provocou um gélido sentimento. “Adeus?” que palavra forte não? “Vó, sem dramas, em um ano eu estou de volta”, e ela me abraçou chorando. Meu pai, ao perceber a situação a pegou em seus braços e a levou para casa. Eu por alguns segundos fiquei estatizada sem entender nada.
Alguns meses depois, eu já adptada à vida norte-americana falei com minha avó pelo skype. Ela não cansava de me indagar “porque tudo isso Andréia? Para que passar dificuldades aí, volta para cá!” , eu ria e contava os motivos que me faziam continuar. Fui eu, naquele dia, quem mostrou a neve para ela. Ela nunca tinha visto aqueles floquinhos brancos e eu, pelo skype, fiz com que minha vó sentisse um pouquinho do rigoroso inverno da américa do norte. No Brasil, ela já se preparava para o Natal, e dezembro é também o mês do meu aniversário, ela que nunca esquecia data alguma se antecipou: “Meu riquinho, a vó comprou um anel de ouro para ti. Vou deixar com a tua irmã, quando tu voltar ela te entrega, ta?” eu não entendi. Deixar com minha irmã? Porque ela não me entregaria? Indignada eu completei: “Que bobagem, quando eu voltar vou lá te visitar e tu me entrega”, ela se calou, e tudo que percebi foi que minha mãe apareceu na tela do computador dizendo que vó estava emocionada demais para continuar a conversa.
Meses depois, acordei no susto em meio a madrugada fria. Sentei na cama e não conseguia mais dormir. Deu saudade da minha avó. Peguei no sono e sonhei com ela.
Naquela manhã, a notícia: “Deka, a vó se foi”.
Foi? Ela não esperou eu voltar pro Brasil? O que eu faço? Dá tempo de ir para o enterro? Era óbvio que não. Eu tinha duas crianças que eram totalmente dependente de mim naquele país, um curso na universidade em andamento, viagens marcadas.
O choro foi inevitável. A dor tomou conta de mim. Me senti egoísta por ter estado longe no momento em que ela queria me dizer adeus. Não ajudei em nada, estava do outro lado da américa, preocupada comigo mesma. Todas as cenas que descrevi acima, naquele instante fizeram sentido “ela já sabia, e queria me dizer adeus”.
Eu não tinha ninguém lá comigo, era eu e Deus. Só Ele para desabafar e entender minha dor. Só Ele para eu confiar e pedir que a cuidasse.
No dia em que cheguei no Brasil a sensação que eu tinha é que eu a veria mas não podia porque, para mim, ela estava viajando, entende? A idéia da morte não fazia sentido. Minha irmã depois de me dar as boas-vindas, chorando me entregou uma caixinha. Eu gelei. Ao abrir, enxerguei o anel que minha avó havia dito que tinha comprado para mim. Chorei por horas, mas não adiantava, ela não voltaria.
Até hoje, eu não tive coragem de ir até lá no cemitério, e quem sabe assim assimilar o luto. Prefiro viver com a idéia de que ela esta viajando e sendo feliz em algum lugar distante daqui. Sinto falta do adeus que eu não pude dar. Sinto falta dos sábios conselhos daquela pessoa de 1 metro e 50 centimetros de altura, cabelos crespos, olhos azuis, magrinha, vaidosa e sem papas na língua. Sinto falta da minha avó. Do abraço dela. Queria poder dizer adeus. Dizer que eu a amo, muito.

5 comentários:

  1. Sem palavras...para quem sabe e vivenciou esta parte da tua vida, não tem como não se emocionar.Ela era muito sábia, e sábios escolhem o seu momento de partir, tlavéz ela quissese assim, um adeus sem choro! Te amo! Mãe

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  2. Oi amiga...
    eu me lembro de tudo isso...da tua partida, de quando ela faleceu...
    bom, eu estou vivendo o mesmo, a minha voh tbm nao entende pq eu quero ficar aqui, eh engracado e fofo!! tu mesma sabe que tbm ja tive uma perda aqui, nao eh facil, mas eu acho que por estar tao longe, foi mais facil aceitar, mesmo querendo estar perto para confortar quem mais precisava!!
    otimo texto!!
    beijos amiga!

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  3. Morri chorando!

    Ai, pequena! E eu aqui nesse momento vou não vou!

    Tenho medo disso e admiro a tua força! Tenho certeza e concordo com a tua mãe: ela escolheu a hora de ir, e sabia que isso era mais uma peça do teu aprendizado! Passar por isso, longe de todos, é superação!

    Continua escrevendo que adoro chorar no trabalho! ;)

    Beijobeijo!

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  4. Liindo Deka, digamos que eu vivi uma situação muito parecida e quase chorei lendo porque fui lembrando mas engoli o choro,muito lindo e emocionante, parabééns!!!
    Beijo

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